Com ele o “querer é poder” é muito mais que um simples clichê. A dificuldade é a gente que faz. Ele não.
Foi assim quando decidiu, por exemplo, que vai ter a idade do Ben10. E já no seu próximo aniversário, dia 21 de abril, quando deveria fazer apenas 5 anos.
Quer ficar forte como o personagem de animação norte-americano, que é febre entre as crianças, para enfrentar os bandidos e os monstros do mal.
Ben10 deve ser a palavra que ele mais pronuncia durante o dia. E olha que é difícil escutar o silêncio com Felipe por perto.
Poderes mágicos Felipe já tem. Foi muita sorte, mas ele disse que conseguiu recuperá-los.

Não sabe dizer se havia criptonita por perto. “O que é criptonita?”, me perguntou, curioso. Também pudera, criptonita faz parte das histórias do Super-Homem, uma animação do tempo da minha infância.
O fato é que ele lembrava apenas de ter colocado as duas mãos no mar e então seus poderes foram sugados e apropriados por um tubarão que passava nas proximidades.
Peixe cartilaginoso de sorte aquele. Com tantos poderes virou o rei do mar.
Sempre achei Barra Grande cheia de mistérios. Porém, confesso, nunca imaginei que chegasse a tanto. Roubar os poderes mágicos de uma criança é um absurdo. Um crime imperdoável.
Passei algum tempo sem conseguir visualizar aquela praia belíssima com suas curvas e cores que me fascinavam desde criança. Não era mais do mesmo jeito. Tinha sempre um pouco de rancor, uma mágoa.
O encanto do lugar só voltou a predominar em minhas lembranças quando Felipe recuperou a sua mágica, misteriosamente.
Pela versão oficial, um dia ele acordou e estava com os poderes de volta. A inexplicável recuperação até que se justifica já que a perda dos tais poderes também foi sem explicação. Concluí com isso que a culpa não estava na praia de Barra Grande, ainda que não haja um esclarecimento racional para os dois fenômenos. Menos mal. Barra Grande voltou a ser doce como em minhas memórias de sempre. E o final, em construção, voltou a ser feliz.

Seria um envelhecimento muito precoce, uma queima grande de etapas. Cinco anos e tudo o que eles oferecem jogados ao léu, sem o devido aproveitamento. Hipnotizado pela ignorância própria dos adultos podados tentei explicar que isso não seria possível. Formulei uma construção didática que, ao meu modo cego de enxergar, seria infalível:
- Quantos anos você tem?
- Quatro
- E depois do quadro vem o quê?
- Cinco
- Então. Infelizmente não tem como fazer dez anos agora no seu próximo aniversário. Ainda vai demorar um pouco.
- Já sei como fazer, papai.
- Sabe?
- No lugar da vela de cinco eu coloco uma de dez anos. A gente canta os parabéns, eu sopro e então vou ter 10 anos e ser forte como o Ben10.
Depois dessa, a única coisa que pensei foi na tristeza daquele tubarão que teve a sorte de experimentar e, sem ter culpa alguma, pouco tempo depois perdeu os poderes mágicos de Felipe.