quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Quando a politicagem vence a oportunidade

O rumo dessa associação católica-evangélica-eleitoral sobre aborto é impressionantemente ridícula. Mostra como somos despreparados, e a política, suja. Perde-se uma grande oportunidade de discutir um tema polêmico, sem dúvidas, mas que já passou da hora de ser debatido com mais profundidade e por toda a sociedade, incluindo as igrejas, que se mantêm irredutíveis em seus dogmas e/ou visões de mundo, apesar de todos os anos milhares de mulheres morrerem em clínicas clandestinas vítimas de ações mal feitas em locais despreparados por gente aproveitadora. Um estudo realizado pelo Ipas Brasil e o Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com apoio do Ministério da Saúde, revelou que o número de abortos realizados no Brasil passa de 1 milhão por ano. Mais de 220 mil deles têm como conseqüência, entre várias complicações, infecções graves e perfurações no útero. Evitar discutir o tema é ignorar esses números, é fechar os olhos para a realidade que temos em nossa frente. Com o tema transformado em politicagem por interesse puramente eleitoreiro perde-se a oportunidade de tratar essa questão como problema de Estado, que precisa ser revisto. Prefere-se continuar negligenciando, fingindo que o aborto não existe, que as mulheres não estão morrendo, que o número de crianças com deficiência vítimas de tentativas de aborto mal sucedidas não está aumentando. A pergunta é: ser simplesmente contra e cruzar os braços resolve alguma coisa? E tem outra: você realmente acredita que alguém deixará de abortar simplesmente porque não tem a estrutura do Estado para atendê-la ou porque a igreja, seja qual for, é contra? Quem quer abortar o fará, independentemente de qualquer coisa, independente da igreja dizer que é feio ou sujo ou pecado ou que a pessoa vai arder no inferno. A diferença é que o Estado, ao tratar do tema, pode construir uma política pública voltada para esta questão, de forma responsável, debatida, tratada com seriedade e transparência. Querer evitar tratar de um assunto como o aborto é uma hipocrisia sem tamanho. Cair nessa armadilha é reduzir a nossa capacidade de inteligência e ao mesmo tempo valorizar ações políticas nojentas. Manipular esse debate como uma arma político-eleitoreira chega a ser inescrupuloso.

(Publicado originalmente na coluna Roda Viva, Jornal O Dia - 14.09.10)

Um comentário:

José María Souza Costa disse...

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